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CERTIDÃO DE ÓBITO DE GASTONE DE CARVALHO BELTRÃO, MILITANTE DA RESISTÊNCIA ASSASSINADA PELA DITADURA

http://pt.scribd.com/doc/140066144/Certidao-de-Obito-de-Gastone-de-Carvalho-Be-ltrao

 

Alagoana de Coruripe, Gastone manifestou desde jovem preocupação com as desigualdades sociais. Ainda adolescente, visitava presos comuns, levando-lhes roupas e alimentos. Estudou nos colégios Imaculada Conceição e Moreira e Silva, em Maceió, e concluiu o segundo grau no Rio de Janeiro, Em 1968, de volta a Maceió, Gastone prestou vestibular para Economia na Universidade Federal de Alagoas, entrando em terceiro lugar. A partir de então, sua militância política se tornou mais efetiva, inicialmente na JUC (Juventude Estudantil Católica). Em 1969, já integrada à ALN, viajou para Cuba, onde recebeu treinamento militar. Foi localizada e executada em São Paulo pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, quando tinha retornado ao Brasil havia menos de um mês. No entanto, a versão oficial, que prevaleceu durante muitos anos, indicava a morte de Gastone em tiroteio com a polícia. Por solicitação da CEMDP, o processo de Gastone foi submetido a exame pelo perito criminal Celso Nenevê. O perito se concentrou em duas lesões, uma na região cmamária e outra na região frontal. Ampliou a foto da ferida na região mamária 20 vezes. Abramovitc descrevera a lesão como resultante de “tangenciamento de projétil de arma de fogo”. Nenevê concluiu que, ao invés de tiro, tratava-se de uma lesão em fenda, produzida por faca ou objeto similar. As circunstâncias da morte não puderam ser restabelecidas com clareza até hoje, mas a CEMDP reconheceu, por decisão unânime, que Gastone Lúcia Carvalho Beltrão, cujo cadáver mostrava 34 lesões, na maioria tiros, mas também facada, marca de disparo à queima-roupa, fraturas, ferimentos e equimoses, não morrera no violento tiroteio alegado pelo Dops e pelos documentos ofi ciais, e sim depois de presa pelos agentes dos órgãos de segurança.

Gastone Beltrão – A guerrilheira alagoana

Gastone Beltrão – A guerrilheira alagoana

Gabriel Passos – Para o blog A Luta Armada no Brasil – www.lutaarmadabrasil.blogspot.com

No dia 12 de janeiro de 1950 nascia, às 22h20min, na Rua do Comércio, em Coruripe (AL), Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão, filha do casal João e Zoraide Beltrão.

INFÂNCIA e ADOLESCÊNCIA

Gastone viveu uma infância feliz. Tinha muitas amigas e a mais especial delas era sua irmã, Moacyra, um ano mais velha. Nove anos depois de seu nascimento, nascera Thomaz, hoje vereador por Maceió (PT).
Na adolescência, viveu entre idas e vindas entre Maceió e Rio de Janeiro. Em Maceió, estudou nos colégios Imaculada Conceição e Moreira e Silva. Concluiu o segundo grau no Rio, voltando a Maceió em 1968, onde prestara vestibular para Economia na UFAL(Universidade Federal de Alagoas), obtendo o terceiro lugar. Foi nessa época em que iniciou a militância política.

A MILITÂNCIA
Mesmo estando em Maceió, Gastone não deixava de ir ao Rio, onde avó e tia materna moravam. Seus contatos com a militância ficavam cada vez mais fortes. O amigo Zé Pereira, por exemplo, mostrou-a a organização revolucionária ALN, onde ingressariam juntos, provavelmente no final de 1968. Também seria incentivada por Carlos Eugênio Paz, o Clemente, de quem era amiga pessoal e quase-vizinha.

A amizade entre Gastone e José se tornou tão forte que, num acordo secreto entre os dois, resolveram se casar. O casamento daria maior idade para Gastone, então com dezenove anos e possibilitaria a ida a Cuba, via Itália, onde treinariam táticas de guerrilha.

Em 8 de agosto de 1969, Gastone e José se casaram e partiram, no dia seguinte, para Roma, onde iriam estudar e trabalhar, conforme dito às famílias, além de passar a lua-de-mel.

Entre agosto de 1969 e o segundo semestre de 1971 viveram em Cuba, mas informando a família, através de cartas e cartões postais, que estariam em Roma. A tática para não obter desconfiança da família era nunca informar o remetente e enviar a carta através de amigos, que, posteriormente, postavam em Roma. Nota-se na última carta, enviada a família em 10 de agosto de 1971, mas escrita em 11 de julho do mesmo ano.
Mesmo com as notícias de Gastone, a família sabia que estava em Cuba e treinava guerrilha. Informações chegavam através de amigos da família. Cartazes com as fotos de Gastone e outros militantes eram espalhados por todo o país, inclusive em Maceió.

A VOLTA

No segundo semestre de 1971, Gastone e José Pereira deixavam Cuba e partiam para o Chile, onde voltariam clandestinamente para o Brasil, mais precisamente a São Paulo
Em 1971, a organização estava mudada. Sem Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, tinha como seus principais pilares Carlos Eugênio Paz e Iuri Xavier Pereira – este último teria tido um romance com Gastone – e outros jovens militantes.
O que era uma simples amizade, tornou-se um verdadeiro amor. Gastone e José Pereira iniciaram um romance. “Do dia 26 de agosto até o dia 22 de janeiro de 72”, conforme descreveria José Pereira em carta destinada a Zoraide, mãe de Gastone, em 13 de maio de 1972.

A MORTE
Na manhã de 22 de janeiro de 1972, saiam Gastone e José do “aparelho”. Encontraram com o militante Antônio Carlos Bicalho Lana e seguiriam para uma reunião com um dirigente da organização. Porém, agentes do DOPS estavam no encalço dos três militantes, que seguiam de Jipe. A equipe de agentes era comandada pelo delegado Sérgio Fleury.
Gastone ficara para fazer compras para a organização numa pequena mercearia, situada no cruzamento entre as ruas Heitor Peixoto e Inglês de Souza, no bairro da Aclimação. Trajava calça e camisa de mangas compridas, de cor escura. A partir de sua descida, os agentes perderam o Jipe de vista. Resolveram, então, capturar Gastone – ou Rosa, nome que usava na clandestinidade.
Quando se aproximaram, com armas em punho, Gastone protegera-se em um balcão e trocara tiros. Foi sumariamente metralhada. Mas não morta. Segundo o dossiê de mortos e desaparecidos políticos, Gastone apresentava marcas de algemas nos pulsos e o chamado “tiro de misericórdia”, no meio da testa. Ao que tudo indica, morrera no translado ou numa sala de tortura.
O assassinato foi publicado no Jornal do Brasil, edição de 25 de janeiro de 1972, mas sem informar a identidade de Gastone e distorcendo totalmente os fatos. A manchete, intitulada “Pistoleira fere e morre em duelo com Policiais”, descrevia o fato como ocorrido na Av. Lins de Vasconcelos, partindo da Vila Mariana, e inventava o “ladrão” João Ferreira da Silva, denominado Tião, este que sequer existiu. Apontava Gastone como criminosa comum e não como “subversiva”, nome que era dado aos militantes armados da época pelos órgãos repressores.
Sabendo se sua morte, freis dominicanos enviaram uma carta a um professor de história da UFAL, orientando-o a procurar a família de Gastone e informar a triste notícia. Procurou Moacyra, sua irmã, e repassou as informações. Imediatamente, Zoraide, sua mãe, viajaria a São Paulo em busca de notícias.
Chegando ao DOPS, foi informada que existia sim uma Gastone e que teria sido morta há dois meses. No outro dia, conseguira falar com Sérgio Fleury que, num primeiro momento, disse não lembrar de Gastone. Feita a descrição física, o delegado torturador disse que “essa moça era muito corajosa e forte, resistiu até a última hora” e contara a versão do DOPS, de que teria sido assassinada em tiroteio, versão esta totalmente infundada.
Posteriormente, em 1975, seus restos mortais foram retirados do cemitério de Perus e enviados a Maceió, onde foram enterrados no túmulo da família.

Gastone lutou e morreu pela causa. Costumava dizer que resistiria até o último momento, pois não agüentaria a prisão e a tortura. Como disse José Pereira da Silva, em carta já citada: “Tudo o que fizemos foi por realmente acreditar, por amor a nossa gente, por amor a nossa pátria. Jamais sequer pensamos em benefício próprio, sacrificamos nossa juventude e nossas vidas […]”.

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Fotografias(por ordem de aparição): 1. Gastone em festa de família 2. Na infância 3 e 4. Em família 5. Casando-se com José Pereira da Silva – nota-se que o beijo é na testa. 6. Local do assassinato .

Agradecemos imensamente ao vereador Thomaz Beltrão, irmão de Gastone, que gentilmente nos cedeu todas as fotografias e documentos a respeito desta alagoana tão forte e atuante.

 

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