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O MISTÉRIO DA MORTE DE ONOFRE PINTO, ÚLTIMO COMANDANTE DA VPR

onofre3http://pt.scribd.com/doc/137860134/Onofre-Pinto

” O MISTÉRIO DA MORTE DE ONOFRE PINTO

Alberi e Otávio Rainolfo chegaram ao sítio da Valdomeira por volta das sete horas da manhã e encontraram Onofre tomando o café que dona Eva havia preparado assim que o dia amanheceu. Niquinho havia saído cedo para cuidar das criações. Nenhum dos dois sabia que naquela noite os cinco revolucionários que haviam saído de sua casa foram covardemente assassinados após serem atraídos para a armadilha pelo seu sobrinho. O casal achava que aquela movimentação de gente no sítio era a preparação para um novo movimento, uma revolução como aconteceu da outra vez, quando Niquinho foi preso por participar do “grupo dos onze”, ou então daquela guerrilha do coronel Jefferson. Eles imaginavam que o sobrinho estava de volta à luta. Nunca, mas nunca mesmo iam conceber, mesmo de longe, que Alberi estava traindo seus companheiros. Otávio Rainolfo da Silva não entrou na casa, ficou no pátio mexendo no motor da Rural. Alberi cumprimentou Onofre e sua tia, puxou uma cadeira, sentou-se à mesa, cortou um pedaço de pão e se serviu de café. Dona Eva saiu da cozinha, sabia que o assunto entre os dois era segredo. Assim que dona Eva se afastou, Alberi fez o relato da missão. Disse para Onofre que havia tudo certo e que o pessoal estava acampado no mato esperando por ele. Almoçaram mais cedo e seguiram viagem em direção a Capanema. Era uma hora da tarde quando chegaram ao Porto Moisés Lupion. Já dentro da balsa e ao atravessar o Rio Iguaçu, Onofre sussurrou para Alberi que havia uma falha na operação. Disse que era suicídio depender da balsa para voltar após expropriar o banco em Medianeira. “Sem uma rota de fuga segura não vamos entrar em ação”, teria dito o líder do grupo. “Que é isso Onofre? Até parece que você não conhece geografia? Nós vamos voltar por outro caminho, onde tenho organizada uma linha de apoio”, disse Alberi tentando acalmar Onofre, que segurava tenso e com ambas as mãos no balaústre de ferro da embarcação.

Diante dos argumentos de Alberi, o comandante da operação não reclamou mais. Ele era escolado, havia passado por treinamento militar nos quartéis do Brasil e nos campos de Cuba, mas aquela situação o deixava nervoso. Assim que a balsa atracou os três entraram na Rural e seguiram pelo Caminho do Colono, trilhando a mesma rota que levou os outros cinco membros do grupo à morte. Depois de rodar seis quilômetros, a perua dobrou à direita para entrar na picada. Onofre estava ao mesmo tempo tenso e entusiasmado pela perspectiva de encontrar os companheiros e começar a preparar o caminho para a guerrilha rural. Ele imaginava que aquela entrada na picada seria para tomar posse do armamento que Alberi havia adquirido e que depois da expropriação em Medianeira voltariam todos para o sítio do Niquelo Leite. Havia ainda a possibilidade de passar para o lado argentino e refugiar-se no sítio que Alberi havia comprado próximo ao Porto Andresito, que se encontra localizado a 50metros da confluência dos rios Santo Antônio e Iguaçu, a 18 quilômetros da cidade de Capanema e a menos de dois quilômetros do Porto Lupion. Desceram, caminharam alguns passos e de repente Onofre correu. Pressentiu traição e disparou ao sentir que havia caído numa emboscada. Na clareira, um outro negão, mais alto e mais forte que ele, saiu do criciumal e o deteve. Era o temido Laecato, policial militar do Rio de Janeiro, membro do Esquadrão da Morte e ativo torturador. Dominado e algemado, Onofre foi empurrado para o banco de trás da Rural. Ao seu lado se sentou Laecato, enquanto no banco da frente se sentaram Alberi e Rainolfo. Durante o trajeto até Foz, Alberi “cantou” Onofre para ele abrir mão de suas convicções e passar a trabalhar para a repressão. Disse que os outros cinco estavam mortos e que ele seria poupado caso “colaborasse”. Em sua arenga o “cachorro” lembrou que o Brasil “estava crescendo graças aos militares e ao milagre econômico” e argumentou que não adiantava continuar com a luta armada, pois as organizações estavam liquidadas e que a população apoiava os governos militares graças ao bom desempenho da economia, as obras faraônicas e o sucesso da propaganda oficial.

Após cruzar a floresta, a perua tomou o rumo de Foz do Iguaçu escoltado por outras viaturas do Exército, cruzaram a cidade de Medianeira e entraram na BR-277, seguindo em direção ao Oeste. Enquanto isso, Alberi continuou matraqueando e em sua doutrinação misturava a defesa do regime militar com ameaça de morte. “olha tchê, se você quer sair vivo dessa vai ter de colaborar.” Onofre olhava para o ex-sargento da Brigada do Rio Grande do Sul com desprezo. Possivelmente pensava o quanto havia sido trouxa. Seu voluntarismo o colocou duas vezes em fria. Na primeira morreram seis, agora mais cinco e ele estava com o pescoço na guilhotina. Olhava fixamente e tenso para Alberi. Seus nervos faciais tremiam. Manteve silêncio durante todo o trajeto. Não perguntou, não reclamou e nem lamentou ou acusou. Apenas olhou, com um olhar vago e distante, como se tivesse diante de si um outro cenário. Não acreditava que havia caído pela segunda vez na conversa dos agentes da repressão. Dessa vez ele era a vítima, encerrando um ciclo de prisões e mortes ocorridas em parte devido à sua obstinação em levar adiante a luta armada. Ele era a décima segunda vítima, a sexta da segunda chacina de dois grupos de seis. Ficou quieto e apenas assentia com a cabeça todas as vezes que Alberi e Laecato perguntavam se ele iria colaborar. Antes das três horas da tarde chegaram a Foz do Iguaçu. A ordem era levar Onofre para uma casa de madeira localizada nas proximidades do Hotel Cassino e do então já desativado porto oficial que ligava o Brasil ao Paraguai. De propriedade do Exército, a casa era usada para trânsito e hospedagem de militares e agentes da Polícia Federal. No mesmo terreno e a uma distância de 50 metros havia uma outra edificação onde morava um cabo velho com a família. Dentro da casa, guarnecida por soldados nos quatro costados, o coronel Paulo Malhães, vulgo “Doutor Pablo” e o capitão Areski de Assis Pinto Abarca, chefe do Serviço de Inteligência do 1º Batalhão de Fronteiras, perguntaram ao Onofre se ele estava disposto a colaborar. Onofre respondeu dizendo que tinha de mandar um telegrama para sua mulher que havia ficado em Buenos Aires. Se Idalina não recebesse o telegrama ela iria colocar a boca no trombone. Areski concordou. Manter aquele homem vivo era muito importante. Por meio dele outros mais seriam atraídos e seriam eliminados. Mandou então Otávio Rainolfo da Silva acompanhar Onofre até a agência dos Correios, enquanto outros agentes o cuidaram à distância. Passado o telegrama, os dois voltaram para a casa de hóspedes do Exército, onde os interrogatórios continuaram. Anoiteceu e o cabo que morava na casa vizinha se recolheu mais cedo. A ordem era não bisbilhotar, pois o local seria palco de uma operação sigilosa. A noite estava propícia para sigilos e mistérios. Uma neblina espessa não permitia enxergar nada a não ser uma luz difusa, do tipo leitosa, acesa no quartel da Capitania Fluvial do Rio Paraná, localizado do outro lado, a aproximadamente 50metros da casa para onde Onofre Pinto foi levado. Onofre ficou num quarto, submetido a interrogatório pelos oficiais do Exército e à lenga-lenga de Alberi. Não disse nada, pois nada sabia além daquilo que os militares já tinham conhecimento. Do grupo, Areski era o mais impetuoso. Ambicioso, via naquela situação uma oportunidade de ouro para realizar seu sonho de subir para Brasília e usufruir das mesmas mordomias que os chefões do Centro de Informações do Exército. Enchia-se de orgulho por pertencer ao Exército e aprendeu que quem discordava do governo era subversivo e quem pegava em armas era terrorista. Imaginava que sua presa lhe daria informações importantes e que a partir de novas prisões ele seria guindado para posições superiores. Aquela era sua oportunidade de ser recompensado com promoções e condecorações, frequentar os ambientes finos e conviver com os poderosos da Capital Federal. Ele nem de longe imaginava que naquela noite a sorte de Onofre estava sendo decidida pelos altos escalões do Centro de Informações do Exército em Brasília. Os homens da inteligência consideravam o “Negão da VPR” uma“ bananeira que já deu cacho”. O mítico comandante da VPR, o dirigente revolucionário mais importante depois de Lamarca e Marighela, o sargento cassado em 1964 e trocado pelo embaixador americano em setembro de 1969 já não era o mesmo. Estava desmoralizado fora e dentro do Brasil, e os únicos militantes que ele conseguiu agrupar para a retomada da luta armada estavam agora enterrados numa cova comum dentro do Parque Nacional do Iguaçu.

Onofre não entregou nada, pois não tinha nada para entregar e nem servi upara ser usado como isca. Não tinha mais informações importantes ou acesso ao “dinheiro do cofre”. Era madrugada quando o coronel Paulo Malhas chegou coma ordem “vinda de cima”. Não poderia haver sobreviventes na Operação Juriti, ninguém deveria ser poupado. “Temos de acabar com ele para dar o exemplo e inibir a possibilidade de novas deserções”, teria respondido o implacável general Miudinho Tavares, chefe do CIE, ao telefone de Malhães perguntando o que fazer com a presa. A ordem era matar e desaparecer com o cadáver em um local bem longe de Foz do Iguaçu. E assim aconteceu. Ali mesmo na casa de hóspedes, Onofre Pinto morreu após receber uma dose de Shelltox, injeção para cavalos e animais de grande porte. Seu ventre foi cortado e entre suas tripas colocado uma caixa de câmbio de um jipe que até então estava abandonada num canto da casa. Seu corpo foi amarrado por um fio de arame e jogado no Rio São Francisco, perto da cidade de Santa Helena. A decisão de matar os militantes da VPR pode ter sido o motivo do diálogo entre o presidente Ernesto Geisel, empossado três meses antes da emboscada, isso segurança, o tenente-coronel Germano Arnold Pedrozzo, revelado pelo jornalista Elio Gaspari no livro A ditadura derrotada

: “Nessa hora tem de agir com muita inteligência para não ficar vestígio nessa coisa”, teria afirmado Geisel ao comentar a prisão e a morte do grupo de Onofre Pinto. No mesmo livro, consta que o presidente Geisel disse ao seu ministro do Exército, Dale Coutinho, que “esse troço de matar é uma barbaridade, mas tem que ser”. Portanto, a operação de trazer para o território brasileiro os militantes que estavam exilados, até a chacina e o sepultamento dos mesmos numa cova dentro do Parque Nacional do Iguaçu, foi uma ação preparada com frieza e oficialmente pelo aparelho de repressão com objetivo de convencer Geisel a manter a subvenção às estruturas montadas no início da década de 70. Esses recursos eram provindos de verbas secretas e doações de empresários que mantinham negócios com o governo.

Mandaram atrair, matar e sumir com os corpos. E assim foi feito. Lavéchia,Joel, Daniel, Victor e Enrique foram assassinados e enterrrados no Parque Nacional do Iguaçu. No meio da noite, os militares subiram pela antiga estrada de acesso a Guaíra e antes de chegarem a Santa Helena jogaram o corpo nas águas do Rio São Francisco Falso. Seis anos depois a região foi inundada para formar o Lago de Itaipu. Hoje, o imenso reservatório é o sepulcro do primeiro e último comandante da Vanguarda Popular Revolucionário.”

TRECHO DO LIVRO

ONDE FOI QUE VOCÊS ENTERRARAM NOSSOS MORTOS

de Aluízio Palmar

 

 

 

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